Senhor Diretor,
A habitação, ou melhor, a falta dela, é um tema a que está na ordem do dia.
Na década de 2005/2015 encerraram dezenas de milhares de empresas da indústria da construção civil e perderam-se mais de 430 mil postos de trabalho no setor. Em 2001, a nível nacional, foram concluídos cerca de 115 mil fogos novos e em 2016 cerca de 8 mil. No Município de Cantanhede, a redução foi de 321 fogos em 2001 para 63 em 2016, tendo em 2022 sido concluídos cerca de 155 fogos em construções novas.
Em Portugal há mais casas que famílias, pelo que o problema reside na falta de habitações onde elas são precisas e no facto de haver mais de 720.000 fogos devolutos.
Face ao cenário a que chegámos, resolver a carência estrutural do acesso à habitação assenta muito na via da reabilitação do edificado, estimulando a oferta tanto no mercado de arrendamento como no de aquisição, sendo prudente repensar os modelos de desenvolvimento urbano na procura do equilíbrio entre os vários segmentos da oferta habitacional e fomentando a coesão territorial.
Fora dos centros urbanos assistimos à desertificação social, urbana e territorial, ao abandono e ao desordenamento. A falência do setor primário associada à falta de planeamento e de condições de fixação, empurrou as pessoas para outras soluções de vida e contribuiu para o desenho de um desenvolvimento frágil.
Nos centros urbanos assistimos a dois problemas: ocupação desenfreada e degradação do parque urbano edificado com abandono dos edifícios. Este último apela e dá caráter estruturante à reabilitação e requalificação urbana.
A reabilitação e requalificação dos centros urbanos é fundamental para a revitalização, competitividade e sustentabilidade e para a coesão social e territorial, impondo-se como forma de garantir respostas às necessidades atuais e futuras das sociedades modernas, sendo um motor da atividade da constrição civil e dos serviços conexos.
Os lugares urbanos têm que ser sustentáveis, acolhedores, promotores de bem-estar, integradores e facilitadores. Devem ser revitalizados para motivar os residentes, indo ao encontro dos interesses dos jovens, promovendo a atratividade, a proximidade e a fixação.
A reabilitação, tanto urbana como de edificado, deve, portanto, ser considerada um aspeto central das políticas de habitação.
A reabilitação dos espaços públicos é uma medida de incentivo à reabilitação do edificado envolvente, devendo traduzir-se em soluções que transportam preocupações ao nível da sustentabilidade ambiental e das acessibilidades.
A reabilitação é, seguramente, um desígnio nacional e uma inevitabilidade da sociedade moderna.
Dito isto, faz todo o sentido falar em estratégias locais de habitação. A definição de Planos Estratégicos de Desenvolvimento Urbano, o estabelecimento de Áreas de Reabilitação Urbana e a definição e implementação de Operações de Reabilitação Urbana, como instrumentos definidores das políticas de regeneração urbana e das estratégias de intervenção, com o devido enquadramento nos Planos de Financiamento, são fundamentais para alavancar o processo de recuperação das condições para a habitação em cada território.
A importância da atividade da construção civil e dos serviços conexos, ao proporcionarem trabalho e fluxos financeiros para as empresas, para as autarquias e para as pessoas, tem fortes impactos na economia e na evolução das áreas urbanas e da qualidade de vida da sociedade, pelo que a celeridade dos processos se apresenta fundamental para a cadeia de valor do Habitat, numa ótica de crescimento e de competitividade.
Temos assistido a um esforço considerável na definição e enquadramento de novas políticas de habitação e reabilitação urbana, mas parece sempre que ainda falta algo… e o tempo urge.
Já existe muita informação sobre a matéria, mas é necessário o pleno diagnóstico do património imobiliário devoluto, público, municipal, cooperativo, de organizações não governamentais e de privados, em moldes que permitam ir além dos modelos de financiamento e gestão do património público, encontrando soluções conducentes à rápida reabilitação e consequente uso do património privado, numa perspetiva de valorização patrimonial economicamente sustentável.
Perante a complexidade do problema, importa reflectir sobre o posicionamento e moldes de intervenção dos Municípios no que respeita ao património imobiliário privado devoluto ou subutilizado, no sentido de perceber o que podem e devem fazer para impulsionar a reabilitação e o uso do mesmo. A motivação para o investimento na reabilitação, implica esclarecimento e apoio para a perceção de como se regularizam as situações e de como se operacionalizam e se financiam os projetos.
Conscientes da influência que tal percurso terá no mercado da habitação, na dinamização da construção e no processo de fixação da população, é de fulcral importância a celeridade na aprovação das operações urbanísticas e a implementação de (mais) medidas simplex, bem como a revisão e adaptação (constantes) dos regulamentos tão desfasados dos conhecimentos estabilizados que são do domínio comum, além das anunciadas medidas de redução dos custos tributários e das taxas urbanísticas.
O Plano de Recuperação e Resiliência, ao visar a implementação de um conjunto de reformas e investimentos destinados a reforçar o objetivo de convergência com a Europa, tem na dimensão de Resiliência o reforço da resiliência social, económico e territorial do país, entre as quais se inclui a habitação, e tem na dimensão de Transposição Climática a reabilitação e eficiência energética, tendo como objetivos reabilitar e tornar os edifícios energeticamente mais eficientes.
São inquestionáveis os inúmeros benefícios sociais, ambientais e económicos, inerentes à reabilitação e requalificação dos tecidos urbanos. E são enormes.