Subida de rendas será limitada a 2% para todos os contratos. Mas Governo prevê benefícios fiscais para alguns.
Há novidades para inquilinos e senhorios. Dada a inflação que se faz sentir em Portugal, o Governo socialista de António Costa decidiu aplicar um conjunto de medidas que vão incidir nos contratos de arrendamento em 2023. Por um lado, os inquilinos só verão as rendas habitacionais e comerciais atualizadas até ao limite máximo de 2%, em vez dos 5,43% indexado à inflação. E, para compensar os senhorios desta limitação, o Executivo também desenhou benefícios fiscais, que vão isentar de impostos entre 9% e 30% dos rendimentos prediais em sede de IRS e em 13% os rendimentos em sede de IRC.
Mas estes benefícios não abrangem todos os contratos de arrendamento, ficando de fora os celebrados em 2022 e os de renda acessível. O idealista/news passou a pente fino estas medidas para atenuar a inflação no custo de vida de quem arrenda casa e explica tudo com base na proposta de lei apresentada no Parlamento e com esclarecimentos da Associação Nacional de Proprietários (ANP).
A inflação faz-se sentir em praticamente todos os setores da economia portuguesa e fixou-se em 9,0% em agosto, segundo dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística. E este cenário acabou por incrementar também a variação média do índice de preços, excluindo a habitação, nos últimos 12 meses, que atingiu os 5,43% em agosto. É este valor que, segundo o que está contemplado no artigo 1077.º do Código Civil, por princípio, serviria de base ao coeficiente utilizado para a atualização anual das rendas, ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
Foi pela grandeza deste valor, que levaria a substanciais aumentos nas rendas no próximo ano, que o Governo decidiu tomar medidas e por um travão ao aumento das rendas em 2023. Mas como é que fez isso? Na proposta de lei n.º 33/XV, o Executivo socialista está previsto “estabelecer uma restrição temporária à aplicação do regime geral quanto à atualização das rendas associadas a arrendamento urbano e rural, não podendo esta atualização, que seria de 5,43%, ultrapassar um máximo de 2% durante o ano civil de 2023”.
Para o ministro da Habitação, Pedro Nuno Santos, é “fundamental” criar um limite ao aumento das rendas para o próximo ano. “Foi esse equilíbrio que nós procurámos, definimos um crescimento que tem um critério, um objetivo de longo prazo”, disse Pedro Nuno Santos em conferência de imprensa esta terça-feira, dia 6 de setembro, um dia depois do primeiro-ministro, António Costa, ter apresentado o pacote com 8 medidas para atenuar os efeitos da inflação nos bolsos dos portugueses.
A medida abrange a maioria dos mais de 900 mil contratos de arrendamento habitacional, bem como os contratos de arrendamento comercial, ficando de fora as chamadas “rendas antigas” – anteriores a 1990 nos contratos de habitação e até 1995 nos contratos comerciais – que gozam de um regime transitório de congelamento até maio de 2023, cujo fim tem vindo a ser reclamado pelos proprietários.
Atualização de rendas em 2023 é a maior dos últimos anos
Apesar do atual Governo socialista ter maioria absoluta, para esta proposta de lei se tornar efetiva terá de passar pelo crivo do Parlamento, podendo a versão final ser sujeita ainda a alterações. Se obtiver luz verde, de acordo com a atual redação, significa que os inquilinos poderão ver as suas rendas subir até ao máximo de 2% no próximo ano. Mas note-se que mesmo que esteja prevista a atualização do valor da renda indexada à inflação no contrato de arrendamento, cabe sempre aos proprietários decidir se aplicam esta subida ou não. E os inquilinos, por sua vez, podem aceitar, revogar ou apresentar uma contraproposta.
É certo que o limite de subida das rendas proposto pelo Governo para 2023 (2%) é muito inferior ao indexado à inflação (5,43%). Mas, ainda assim, verifica-se que esse mesmo valor de atualização de rendas proposto para 2023 é o mais elevado dos últimos anos. De acordo com os dados do INE, em 2022 a atualização de rendas indexada à inflação foi de apenas 0,43%. Já em 2021, esta atualização foi congelada na sequência de variação negativa do índice de preços. O maior valor registado de atualização de rendas nos últimos sete anos foi de 1,15% em 2019, mostram os dados.
Coeficiente de atualização de rendas em 1,02: o máximo dos últimos 9 anos
Para chegar a este valor de atualização de rendas, o Governo propôs que “durante o ano civil de 2023 não se aplica o coeficiente de atualização anual de renda dos diversos tipos de arrendamento previsto no artigo 24.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual”. Ou seja, no próximo ano este indicador não será definido com base na variação da inflação nos últimos 12 meses até agosto apurada pelo INE, tal como foi nos anos anteriores.
Em vez de calcular o indicador desta forma, a equipa governamental de António Costa resolveu definir um valor: o coeficiente de atualização de renda dos diversos tipos de arrendamento urbano e rural será de 1,02 em 2023. E, portanto, será este coeficiente que será utilizado na fórmula de cálculo de atualização das rendas em 2023, a partir da qual se chega à atualização das rendas em 2%.
Ainda assim, o coeficiente de atualização das rendas definido para 2023 (1,02) é o mais alto dos últimos nove anos. Em 2022, foi aplicado um coeficiente de 1,0043 e em 2021 de 0,9997, mostram os dados do Portal da Habitação.
Mas olhando para os dados desde 1982, verifica-se que os coeficientes de atualização de rendas aplicados desde 2014 são dos mais baixos de sempre, tendo o mínimo histórico sido atingido em 2015 (0,9969). O valor máximo neste horizonte temporal foi registado em 1985 com o coeficiente de 1,18.
Quanto poderão subir as rendas em 2023?
A oferta de casas para arrendar é escassa perante a elevada procura que se faz sentir em Portugal e, em resultado, os preços estão em alta e continuam a subir. Os preços medianos das casas no mercado de arrendamento passaram de 10,8 euros por metro quadrado (euros/m2), em janeiro de 2022 para 11,6 euros/m2 em agosto deste ano. Isto quer dizer que nos primeiros oito meses do ano, as rendas subiram 7,4% em Portugal, segundo os mesmos dados.
A medida que vem limitar a atualização das rendas em 2% no próximo ano é válida para todos os contratos de arrendamento, em que não se contemple formalmente outro tipo de revisão diferente da inflação. E se os senhorios decidirem subir as rendas em 2023 na ordem dos 2% quanto vão pagar os inquilinos? Tendo em conta os dados do idealista, uma casa de 100 metros quadrados (m2) terá sido arrendada em janeiro de 2022 pelo valor mediano mensal de 1.080 euros. E se for aplicada a atualização de 2%, a família passará a pagar mais 22 euros em 2023, ou seja, 1.102 euros por mês. Mas se não houvesse esta limitação na atualização das rendas e fosse aplicada o índice com base na inflação (de 5,43%), o mesmo agregado pagaria uma renda de 1.139 euros.
Tendo por base este mesmo exemplo (casas arrendadas em janeiro), verifica-se que atualizar as rendas a 2% em 2023 ao invés dos 5,43% fará a diferença de 37 euros mensais nas carteiras das famílias. Com esta medida, a família irá gastar menos 444 euros ao fim de um ano. Para o senhorio significará uma perda na mesma ordem de grandeza, sem que tenha direito a qualquer compensação fiscal, ao contrário do que acontece para os proprietários com contratos assinados até ao final de 2021.
Já no caso dos agregados que assinaram os contratos de arrendamento em agosto de 2022 a diferença é ainda maior. A renda mediana para uma casa de 100 m2 atualizada a 2% situa-se nos 1.183 euros mensais. E se fosse atualizada a 5,43% estaria nos 1.223 euros por mês. Isto quer dizer que as famílias vão desembolsar menos 40 euros por mês e -480 euros por ano. O mesmo que vão deixar de receber os senhorios, por estarem obrigados a aplicar o travão, se decidirem atualizar a renda no próximo ano, do contrato assinado agora.
Benefícios fiscais para os senhorios: quais os contratos abrangidos e excluídos?
Para atenuar o impacto do limite de atualização de rendas proposto pelo Governo foi desenhado um mecanismo de compensação para os senhorios, que passa por dar benefícios fiscais em sede de IRS ou IRS, consoante se tratar de particulares ou empresas, respetivamente. “O que os inquilinos vão poupar [limitando a subida das rendas em 2% em vez de ser aplicada o índice de 5,43%] é o diferencial em que os senhorios serão compensados”, explicou António Costa durante a apresentação das medidas esta segunda-feira.
Aplicando os coeficientes de apoio aos proprietários previstos na proposta de lei, os senhorios podem obter isenção de tributação dos rendimentos prediais entre 9% e 30% no IRS e de 13% no IRS, segundo o documento apresentado pelo Governo.
Que tipo de contratos vão estar abrangidos pelos benefícios fiscais?
Os contratos de arrendamento assinados até ao final de 2021 e tributados à taxa autónoma de 28% ou a taxas especiais (entre 26% e 10%) estão abrangidos pelos benefícios fiscais propostos. Mas as isenções vão variar consoante o tipo de taxa. Se a taxa aplicada aos rendimentos prediais, depois de deduções, for de 28%, então será aplicado o coeficiente de 0,91, que vai reduzir o rendimento sujeito de impostos de 100% para 91%. Por outras palavras, o proprietário verá 9% dos seus rendimentos prediais isentos de imposto.
Os contratos de arrendamento celebrados até dezembro de 2021 que estão abrangidos por taxas especiais têm isenções superiores, segundo a proposta de lei. Neste campo entram:
Contratos de arrendamento para habitação permanente com duração igual ou superior a dois anos e inferior a cinco anos;
Contratos com duração igual ou superior a vinte anos;
Contratos de direito real de habitação duradoura.
Assim, aos rendimentos prediais tributados com taxas especiais aplicam-se os seguintes coeficientes, de acordo com o documento:
No caso da taxa de 26% é aplicado um coeficiente de 0,90%, o que significa que 10% do rendimento predial não é sujeito a impostos. E no caso da taxa aplicada ser de 10%, será aplicado um coeficiente de 0,70, indicando que 30% do rendimento predial não é tributado. A compensação aos senhorios pelo travão à atualização das rendas em 2023 vai ser feita de forma automática quando for sumetido o IRS ou o IRC, tendo por base a declaração de rendimentos.
Estes são os contratos de arrendamento excluídos dos benefícios fiscais
Mas embora o travão à subida das rendas se aplique a todos os contratos de arrendamento urbano ou rural, nem todos os senhorios terão direito aos benefícios fiscais desenhados pelo Governo, já que os contratos assinados em 2022 não estão abrangidos. Isto porque, segundo fonte do Governo confirmou ao idealista/news, considera-se que os contratos celebrados em 2022 já refletem a inflação e a situação do mercado nos valores das rendas cobradas aos inquilinos, não se justificando a aplicação de coeficientes de apoio para os senhorios.
O idealista/news contactou o ministério das Finanças para esclarecer vários pontos quanto ao pacote para atenuar o efeito da inflação nas rendas, mas até à data de publicação desta notícia não obteve resposta.
Em reação a estas medidas, António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), adiantou que “neste momento os proprietários encontram em estado de choque, com esta inacreditável proposta que muda as regras a meio do jogo”.
Além disso o presidente da ANP antecipa que os proprietários poderão vir a colocar casas no mercado de arrendamento ainda mais caras. “Estas medidas só beneficiam o inquilino, pobre ou rico, que já tem casa. O inquilino potencial, aquele que anda à procura de casa com uma renda que possa pagar, vai ser confrontado com uma previsível subida dos valores das rendas”, comenta António Frias Marques ao idealista/news.
Além dos contratos de arrendamentos mais recentes (assinados em 2022), também ficam de fora dos benefícios fiscais os rendimentos prediais que tenham isenção de impostos, como é o caso das:
Casas a arrendar nos programas de arrendamento acessível;
Proprietários com baixos rendimentos.
Sobre este ponto, o presidente da ANP esclarece que “o arrendamento acessível tem um prazo mínimo de cinco anos e está isento de pagamento de IRS, nada impedindo a aplicação da atualização anual, agora limitada a 2%. Ao estar isento do pagamento de IRS, nada pode ser bonificado”, referem ainda.
Mas para António Frias Marques “estas medidas agora propostas à Assembleia da República não preveem todas as situações decorrentes dos diversos tipos de arrendamento, que são bastantes” e, por isso, “é expectável que, com o tempo, sejam introduzidas alterações”.