Cidades do amanhã: o papel da experimentação urbana

A Câmara Municipal de Coimbra promoveu recentemente uma iniciativa inovadora no bairro da Quinta da Portela: um projecto de experimentação urbana. Durante sete dias, coincidentes com a Semana Europeia da Mobilidade, este bairro transformou-se num laboratório ao ar livre, onde foram testadas novas formas de mobilidade em duas ruas perpendiculares e no cruzamento entre elas. Alteraram-se sentidos de trânsito, convertendo ruas em vias de sentido único, e reduziu-se o número de vias de circulação e de estacionamento. O espaço libertado deu lugar a uma ciclovia e a espaços de convívio para os moradores. A experiência foi anunciada previamente e houve debate com os moradores, no local. Após os sete dias, as ruas voltaram à sua configuração original. Será que as sementes para futuras mudanças ficaram plantadas?

A experimentação urbana é uma nova forma de planear e construir cidades. Funciona como uma espécie de “aprender pelo fazer”, como se promove nas escolas, ou uma abordagem “lean” aplicada à inovação.

Há três fases fundamentais: primeiro, imaginar o que a cidade e as ruas podem ser; depois, implementar as soluções sonhadas numa zona específica; por fim, testar, observando e aprendendo com os resultados. É também uma nova forma de fazer política: mais aberta, inclusiva e colaborativa. O verdadeiro sucesso destas iniciativas, está no quanto se aprende: com esse conhecimento, as soluções podem ser ajustadas ou expandidas para outras áreas da cidade.

Em teoria, a experimentação urbana permite tomar decisões mais informadas e construir uma melhor cidade. Na prática, também; pois as soluções são tipicamente mais fáceis de implementar quando todos estão envolvidos e tiveram uma palavra a dizer. O mais interessante é que este tipo de experimentação permite ter uma visão ambiciosa. A natureza temporária e a circunscrição a uma área limitada facilitam a introdução de soluções ousadas sem o receio de mudança. No entanto, também há riscos: a participação pode ser enviesada por grupos pequenos, mas muito ativos, pelo que é crucial garantir diversidade e representatividade nas opiniões. Depois da experiência, o grande desafio é dar continuidade às acções e continuar o diálogo entre os decisores e os cidadãos.

Este processo de planeamento redefine o papel de cidadão, que precisa de estar informado, envolvido e disposto a ver além do seu interesse individual. Estaremos, enquanto comunidade, preparados para isso?
A experimentação urbana está a ganhar cada vez mais destaque, especialmente no âmbito de iniciativas mais amplas como os “living labs” ou “urban labs”. E não será de estranhar que mais projectos deste género venham a surgir em Coimbra e noutras cidades da região, testando soluções para desafios tão variados como a transição climática, a inovação social ou a mobilidade sustentável.

As experiências geralmente passam por reconfigurar o uso do espaço público, nomeadamente os arruamentos. Tradicionalmente, as ruas de uma cidade são classificadas com base na principal função que desempenham: circulação ou acesso. As “artérias” ou “circulares” possuem várias vias destinadas a facilitar a circulação de grandes volumes de tráfego a velocidades relativamente mais elevadas. Por outro lado, os “arruamentos locais” priorizam o acesso a edifícios e actividades, dedicando menos espaço às vias de circulação e mais a estacionamento e passeios. Outras ruas, designadas como “distribuidoras”, conjugam as duas funções. Recentemente, uma terceira função tem vindo a ganhar relevância: a fruição do espaço público, ou seja, para lazer, mercados de rua, expressão artística ou eventos desportivos.

Reafectar o uso de uma rua significa alterar a sua função principal. Muitas vezes, pretende-se que a mudança seja permanente. No entanto, pode ser ainda mais interessante testar soluções que respondam à variação das necessidades ao longo de um dia (horas de ponta vs resto do dia), de uma semana (dias de trabalho vs fim-de-semana), ou até sazonalmente (épocas turísticas e festivas vs resto do ano).

A título de exemplo e de forma puramente hipotética, permito-me referir três casos que surgiram na minha mente enquanto escrevia este artigo.

Primeiro: a Avenida João das Regras, em Coimbra. Esta avenida, que liga a rotunda do Portugal dos Pequeninos à Ponte de Santa Clara, tem uma clara função de circulação durante os dias da semana, apresentando elevado congestionamento nas horas de ponta. No entanto, ao fim-de-semana, o cenário é outro: o tráfego de atravessamento reduz-se consideravelmente e os passeios e as esplanadas enchem-se de pessoas. Porque não testar, ao fim-de-semana, a redução do número de vias, de duas para cada uma em cada sentido, transformando parte da avenida num espaço de fruição?

Segundo: o Bairro Novo, na Figueira da Foz. No Verão, o tráfego, as necessidades de estacionamento e o movimento pedonal aumentam drasticamente, mas fora da época balnear, o cenário é muito mais calmo. Uma solução que adaptasse o uso do espaço público às variações sazonais poderia trazer benefícios para moradores e turistas.

Terceiro: em muitas vilas e cidades, as crianças já quase não brincam na rua, muito por culpa do tráfego automóvel. Porque não testar a criação de Zonas 30, onde a velocidade é limitada e os peões têm primazia, ou até Zonas de Coexistência, onde o espaço é partilhado de forma segura entre automóveis, bicicletas e peões?

João Bigotte, Docente de Inovação, Urbanismo e Transportes/FCTUC, in Diário As Beiras (02/10/2024)

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