Como respiramos engenharia civil 24 h por dia

 

Todos sabemos que a engenharia civil está associada à construção. E quase todos confundimos engenharia civil com construção, que é “apenas” uma subdisciplina da primeira. De facto, a engenharia civil é muito mais do que construção. É um vasto conjunto de grandes realizações humanas que melhoram a qualidade de vida de todos nós.

Habitamos e trabalhamos em edifícios dimensionados, construídos e reabilitados por engenheiros civis.

Todos os dias nos deslocamos usando vias de comunicação (estradas, pontes, túneis, etc.) projectadas, construídas e geridas por engenheiros civis. Quando abrimos uma torneira, sai água – “obra” de engenheiros civis que planeiam, constroem e gerem os sistemas de abastecimento e de tratamento de água. De forma semelhante, temos acesso fácil e imediato a gás, a eletricidade, e a internet. E para nos livrarmos do lixo e dos resíduos sólidos basta colocá-los no(s) contentor(es). Magia? Não, engenharia civil e sistemas de recolha, tratamento e valorização. Cada vez mais, compramos online e recebemos as encomendas em casa, fruto de cadeias logísticas globais que usam as grandes infraaestruturas rodo-ferroviárias, marítimas e aeroportuárias, da responsabilidade de engenheiros civis. Quando viajamos, por trabalho ou por lazer, usufruímos destas mesmas infraestruturas.

Estas grandes realizações – edifícios, infraestruturas, redes e sistemas – estão tão presentes no nosso quotidiano que as tomamos como certas, não nos dando conta da admirável engenharia que as torna possíveis. Em síntese, a engenharia civil planeia, constrói e conecta o mundo à nossa volta.

Todos nós usamos e beneficiamos da engenharia, durante 24 horas por dia, todos os dias das nossas vidas. E o futuro vai acentuar esta importância.

Dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030 – definidos pelas Nações Unidas como passos cruciais para um mundo mais justo, mais digno, mais de um terço (e indirectamente para os restantes), de que saliento: 6. Água potável e saneamento, 7. Energias renováveis e acessíveis, 9. Indústria, Inovação e Infraestruturas, 11. Cidades e comunidades sustentáveis, 13. Ação climática. A resolução destes desafios passa pela implementação de eficiência energética em edifícios, pela produção de energia por fontes renováveis, pela descarbonização dos transportes, pelas smart cities, pela circularidade nos recursos e materiais, pela otimização das redes de abastecimento e saneamento de água, entre outros. E todas estas soluções passam pela engenharia civil.

O combate às alterações climáticas é o grande desafio global que se coloca às nossas gerações.

Enquanto sociedade, apenas recentemente percebemos que temos de mudar de um modelo de desenvolvimento que esgota os recursos naturais para um novo modelo sustentável assente no respeito pelo planeta e pela dignidade humana (o chamado modelo “donut”). As universidades anteciparam estes problemas e há já uma dezenas de anos que se adaptaram de forma a preparar a nova geração de engenheiros para o futuro, através da criação de cursos em engenharia do ambiente – uma engenharia que nasce das engenharias civil, mecânica e química e que se torna autónoma pela sua relevância.

Se a engenharia civil e a engenharia do ambiente são assim tão importantes – no nosso presente e para o nosso futuro – então por que razão, nos últimos anos, têm tido menos procura por parte dos estudantes que se candidatam ao ensino superior?

De entre várias razões, considero que há cinco principais:

  • A confusão entre engenharia civil e construção civil criou uma percepção errada de que a engenharia civil tem um âmbito limitado quando, de facto, é das mais abrangentes de todas as engenharias, pelos seus diversos domínios de aplicação e saídas profissionais. De entre as engenharias, é provavelmente a que mais se relaciona com as restantes e também a que mais se relaciona com outras áreas do conhecimento, da arquitectura, à geografia, à economia e à saúde.

 

  • A percepção, também falsa, de que hoje em dia a engenharia civil está em crise – perceção esta que foi criada durante os anos de crise financeira e da troika, muito por culpa da referida confusão entre engenharia e constrição civil, que os media tão erradamente propagaram. Nessa altura, a contracção do investimento público e a falta de confiança em investir dos privados levou a uma significativa redução da actividade da construção em Portugal. Mas de facto, a engenharia civil como um todo nunca este em crise e até mesmo a construção sempre ofereceu oportunidades de trabalho internacionais (em empresas portuguesas!). Nesta pandemia, a engenharia e o imobiliário impediram uma maior queda do PIB. Com o PNI2030, o PRR e a “bazuca”, haverá muito trabalho a fazer!

 

  • A designação “infeliz” desta engenharia – por razões históricas, designa-se por “civil” tudo o que tem um cariz não militar. Na minha opinião, um nome mais adequado seria engenharia urbana, de edifícios e infraestruturas.

 

  • Um certo afastamento dos jovens de disciplinas como a matemática e outras ciências exatas, muitas vezes irresponsavelmente promovido pelos media e seus “entertainers” (ainda que inadvertidamente). Mas se não entendemos e não quantificamos os problemas, como é que os vamos resolver?

 

  • Entre os jovens que gostam de ciências, criou-se também a falsa ideia de que as engenharias civil e do ambiente não envolvem tecnologias de ponta. Sendo verdade que estes engenheiros não têm por missão desenvolver tecnologias digitais, é também indesmentível que usam ferramentas tecnológicas avançadas (análise numérica, modelos de otimização e simulação, programação, BIM, SIG, etc.) e participam no avanço tecnológico: drones para inspeção de pontes, modelos de simuçação de tráfego à escala de uma cidade, gestão em tempo real das redes de água através de sensores e algoritmos de inteligência artificial, etc.

 

Clarificando que estas cinco “barreiras” de facto não existem, é de salientar que o lema dos Jogos Olímpicos “mais rápido, mais alto, mais forte” poderia ser facilmente adaptado para lema das engenharias civil e do ambiente: “mais rápido, mais alto, mais resistente, mais sustentável”.

Para um mundo melhor.

Escrito por: João Bigotte (Docente de Inovação, Urbanismo e Transportes/FCTUC), in Diário As Beiras (04/08/2021)

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