Competição não rima com Coesão

Se as autarquias locais fossem um setor económico eram bem merecedoras de ter uma entidade reguladora para a concorrência! Mesmo que a coesão se tenha tornado o novo mantra do modelo territorial ambicionado para o país – que tem mesmo um Ministério para o dito – é difícil imaginar um cenário de maior competição do que aquele que se coloca aos 308 Municípios Portugueses.

É assim na questão fiscal, basta que qualquer um de nós assista ao debate numa qualquer Assembleia Municipal anual que fixa a taxação do IMI, o percentual da Derrama ou mesmo a participação variável para o IRS; o debate é sempre em torno da ideia “a minha é mais pequena que a tua”, ou seja se o Município A ou B tem uma taxa mais baixa então há que competir por essa “vantagem” dos indivíduos e sacrificar a receita municipal até ao mínimo. O tremendismo dos argumentos deixa pouca margem para as opções de mérito que possam estar por detrás dessas opções e ou mesmo necessidades que são cobertas com essas receitas, baixar impostos é o derradeiro argumento político e aos Municípios só resta competir nas perdas.

Outro bem público de origem principalmente municipal que transformou a coesão num labirinto sem fim é o da água. Considerando que o consumo médio anual em Portugal por cliente se situa nos 120 m3, estes podem custar entre 241 € no Município da Trofa e 62 € em Manteigas. Como é que é possível que um pacote de dados móveis em qualquer serviço de telecomunicações – que operam em mercado concorrencial – seja a mesma tarifa para a mesma oferta em qualquer ponto do país, enquanto a água um de bem de primeiríssima necessidade mais parece um ativo de flutuação bolsista? Considerando que a fatura da água é ela também muitas vezes a tradução de um perímetro de outras despesas e taxas (saneamento, resíduos…) talvez valha a pena a um qualquer jovem casal a pensar construir começar por consultar a linha de limite concelhio, uns metros ao lado pode significar uma relevante poupança na fatura anual. Coesão?

Outro tema que ameaça fazer da coesão territorial uma quimera sem fim é a energia. Todos estamos certos que a urgência da transição energética implica um esforço que vai muito para além do que pode fazer a administração central, mas se o papel dos Municípios é emitir pareceres sobre a instalação de parques fotovoltaicos e competir pela operacionalização de comunidades de energia renovável… então estamos mal, muito mal. A disparidade de disponibilidade de território, recursos naturais, orçamentos e recursos financeiros é tal que a abordagem competitiva deste assunto pode ser trágica. Pior ainda, se o principal instrumento para o co-financiamento destas operações for o PRR (completamente competitivo sem factores de coesão) então não tardaremos a ver Municípios a disponibilizar por exemplo solo em parques industriais de última geração, com disponibilidades energéticas que vão ser o fator decisivo para a escolha dos empresários, sem que territórios contíguos possam sequer acompanhar. Coesão?

O país precisa de pactar metas, objectivos e indicadores energéticos no mínimo à escala regional, estabelecendo em paralelo o quadro de ajudas financeiras e co-financiamentos com vista a atingir uma grelha harmonizada de tarifas, quando não mesmo uma diferenciação positiva por exemplo para os territórios de baixa densidade. Sem isto é fácil antecipar onde estarão os territórios mais dinâmicos e competitivos das próximas décadas: são os mesmos que tem por exemplo recursos para fretar aviões diretos à Polónia para resgatar refugiados ucranianos. Sim, a demografia é agora a última fronteira da competição municipal. Já competíamos por todos os outros recursos, agora vamos competir por pessoas que possam contrariar o nosso inverno demográfico. Também aqui precisávamos de mais cooperação e menos competição.

Rui Fernandes – Arquitecto, in Diário de Coimbra (17-03-2022)

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