Continua a dançar!

Sanna Marin chegou a primeira-ministra da Finlândia aos 34 anos. Filha de uma família operária, ela foi uma aluna medíocre e sempre manteve a vida vulgar. Nunca foi uma marrona e não deixou de fazer a sua vida habitual. Fez sempre questão de garantir que a política nunca a mudaria enquanto pessoa.

Há uma história cómica, atribuída a Winston Churchill, um dos maiores ícones da história moderna, em que este, dirigindo-se a uma mulher, diz: “Você é feia”. Ela responde: “E você está bêbado”. O primeiro-ministro inglês retorque: “Mas, a mim, isto amanhã passa”. Churchill levanta-se tarde, despachava diplomas na cama, fuma charutos e bebia muitíssimo. A sociedade londrina, uma das mais conservadoras, e a sua imprensa tablóide, sempre de garras afiadas, não fizeram do seu estilo de vida um caso dramático.

Moradias Figueira da Foz

Há dias, na Finlândia, considerada sucessivamente o país mais feliz do mundo, pelo World Happiness Report, a primeira-ministra foi notícia por ter ido a uma festa e por ter sido apanhada… justamente a dançar. Compreenderia que fosse notícia para os tablóides que a primeira-ministra Sanna Marin, de 36 anos e na liderança do governo de coligação centro-esquerda desde 2019, fosse apanhada a não dançar numa festa. Mas não é disso que se trata. Não. Ela estava numa festa privada com amigos, e para escândalo geral, até estava a dançar. Imagino que uma dança de salão fosse mais tolerável do que a música psicadélica. Mas grave, grave, é que ela confirmou que até estava a divertir-se. E isso é uma coisa horrível que político algum deveria ousar fazer!

A oposição levantou dúvidas e objecções – porque é isso que as oposições fazem: levantam dúvidas e objecções – e Sanna Marin viu-se obrigada a fazer um teste de detecção de estupefacientes. O resultado veio negativo. Ela veio a público reafirmar que não estava a fazer nada de errado. Estava apenas a ser feliz. O vídeo foi filmado através do telemóvel de uma das pessoas presentes na festa e depois apareceu publicado pelo tablóide finlandês Iltalenti. Surgiram críticas sobre a sua postura, que não seria digna de uma primeira-ministra.

Na Finlândia, o tal país dos nórdicos que tanto invejamos, os cidadãos dividiram-se. Alguns acusaram Sanna de se ter comportado de forma inadequada para o cargo que ocupa. Outros defenderam o seu direito à vida privada e a poder desfrutar de uma festa com os seus amigos.
Sanna disse estar “decepcionada” com o facto desse vídeo ter-se tornado público. “Eu passei a noite com amigos, numa festa. Dancei, cantei, festejei, tudo coisas perfeitamente legais”, explicou, referindo que passa tempo livre com os amigos e que tem “a certeza” de que é isso que fazem muitas pessoas da sua idade. “Isto é algo privado, é alegria e vida”, declarou ela, com os olhos marejados. “Mas eu não faltei a um único dia de trabalho”.

Sanna Marin chegou a primeira-ministra aos 34 anos. Filha de uma família operária, ela foi uma aluna medíocre e sempre manteve a vida vulgar. Nunca foi uma marrona e não deixou de fazer a sua vida habitual. Fez sempre questão de garantir que a política nunca a mudaria enquanto pessoa.

Sejamos sinceros e realistas. Será que queremos preconceituosamente manter os políticos encasacados, ensimesmados, de cabelo escovado, sapato engraxado, discurso envirgulado, arredondado e emproado? Aqueles que não riem a não ser por sarcasmo? Ou preferiremos gente normal, que leva os filhos à escola, tira férias, canta e dança e procura a felicidade? Não terá um político o direito a usufruir de tempo pessoal e à reserva da vida privada se tal não representar uma violação da confiança depositada pela comunidade?

Na fogueira dos tempos modernos, temos sido nós, cidadãos, os principais responsáveis. Queremos as virtudes, fingimos escandalizar-nos com os defeitos. E aí vamos nós rua abaixo, levando o livro dos bons costumes debaixo do sovaco, apertando Deus.

Bruno Paixão – Investigador em Comunicação Política, in Diário As Beiras (02-09-2022)

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