Andamos todos a assistir, com estupefacção, às dificuldades com as urgências hospitalares. Sabemos, entretanto, que foi nomeado um diretor de comunicação e que foi nomeada uma comissão que se ocupará deste assunto.
Sabemos ainda que esta comissão resulta de uma renomeação de uma comissão análoga, datada de 2017, cujos frutos são inexistentes ou nunca foram conhecidos, ao mesmo tempo que sabemos que uma outra comissão produziu um conjunto de resultados para as urgências, em 2019, que nunca saíram do papel.
Entretanto, acabo de verificar que 1.3 mil milhões de euros do PRR estão consignados à “reforma dos cuidados de saúde primários, à reforma dos cuidados de saúde mental e à reforma do modelo de governação dos hospitais públicos”. Ou seja, estamos imediatamente a ver como este dinheiro vai ser gasto e como, na verdade, ele se vai destinar a cobrir gastos que deveriam estar a ser realizados e cobertos, normalmente, pelo orçamento geral do estado. Estamos a falar de reorganização administrativa.
Um PRR, baseado em fundos estruturais, vai, na verdade, em grande medida, ser consumido em despesas correntes. Em comparação com a média europeia que dedica 55% dos fundos da parte pública a investimento, Portugal dedica apenas 40% e, se nos ativermos à tradição, a realidade acabará por ser ainda mais desastrosa.
Na verdade, um programa com estas características, deveria ser dedicado a investimentos estruturantes e reprodutivos, com uma esmagadora participação do sector privado. Não será isto que vai acontecer e temo que grande parte destes fundos sejam consumidos em despesa corrente e não reprodutiva. Mais ainda, os atrasos na execução estão-se a multiplicar e a parte já efectivamente paga é absurdamente ínfima.
Claro que o entusiasmo com o crescimento deste ano (esperemos que não venhamos a ter uma má surpresa) alimentado pelo turismo, pela chegada de fundos e por, em termos homólogos, ser algo mais robusto (o crescimento em cadeia está muito mais modesto), está a impedir-nos de percebermos que o próximo ano vamos apanhar um balde de água fria, com um crescimento muito… muito modesto. Todos vamos sofrer seriamente as consequências de muita da inação a que estamos a assistir. O PRR, a que alguns chamaram Bazuca, corre o risco de apenas dar um tiro de pistola, e de produzir resultados pífios, que apenas alimentam o nosso desregramento corrente e o nosso deficit externo. É hoje claro que a Bazuca vai ser uma enorme oportunidade perdida: os fundos que vamos receber poderiam permitir um redesenho extensivo do nosso tecido empresarial, da nossa economia e da nossa competitividade. Adivinhem comigo: nada acontecerá!
A notícia recente da perda de 6 lugares no índice de competitividade (passámos de 36º para 42º lugar) deveria fazer-nos pensar seriamente nas prioridades da política económica e da estratégia empresarial. Ao mesmo tempo, os níveis de produtividade têm vindo a conhecer algum retrocesso, talvez pelo peso que o turismo tem vindo a ganhar no PIB. Ironicamente, ou não, o tão desprezado e mal visto turismo está a ser o responsável pela retoma da nossa economia e, curiosamente, o PRR poucas ou nenhumas referências lhe faz. Quem somos? Para onde vamos? Onde queremos chegar? Na verdade, continuamos perdidos como um navio à deriva, no meio de uma tempestade: parece que pusemos o chefe da casa das máquinas ao leme e o piloto na casa das máquinas: O piloto não consegue pôr as máquinas a andar e o chefe da casa das máquinas, já encalhou o navio!