Sabia que partilhar determinados conteúdos na internet é crime?

Ninguém pode invocar o desconhecimento da lei como desculpa para a prática de um crime.

Por isso é tão importante que as leis aprovadas na AR sejam devidamente divulgadas e explicadas, divulgação essa que deve ir além da publicação no Diário da República, por tal informação constituir um importante instrumento de prevenção geral da criminalidade.

Num tempo de informação e desinformação voraz em que os meios digitais estão omnipresentes e as redes sociais invadiram a vida das pessoas, muitos crimes têm sido praticados nesse admirável mundo novo que é a internet.

Pela facilidade da partilha instantânea de conteúdos e pelo universo de pessoas que alcança, o prejuízo que pode causar é devastador.

Todos nós conhecemos histórias de vidas que ficaram destroçadas por terem sido partilhadas fotografias ou vídeos da esfera íntima sem a autorização das pessoas visadas.

Muitos adolescentes e adultos, na esmagadora maioria raparigas e mulheres, tentaram, inclusive, o suicídio após terem sido expostos na net conteúdos íntimos de relacionamentos passados.

Por norma estas partilhas estão associadas a comportamentos de vingança de ex-parceiros ressabiados e são replicadas por utilizadores da net vezes sem conta.

Pela gravidade que estas partilhas não consentidas revestem e pelo mal que fazem, consubstanciam crimes previstos e punidos pelo código penal.

Vem tudo isto a propósito da entrada em vigor, no passado dia 1 de Junho, da Lei 26/2003, de 30 de maio, que reforça a proteção das vítimas de crimes de disseminação não consensual de conteúdos íntimos.

Esta lei agrava, entre outras, as molduras penais para o crime de devassa da vida privada e qualifica o crime de devassa estipulando o novo artigo 193.º do Código Penal o seguinte:

“Devassa através de meio de comunicação social, da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada.
Quem, sem consentimento, disseminar ou contribuir para a disseminação, através de comunicação social, da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, de imagens, fotografias ou gravações que devassem a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, é punido com pena de prisão até 5 anos”.

E se da prática deste crime resultar o suicídio ou morte da vítima ou quando o interesse da vítima o aconselhe, o procedimento criminal pode ser instaurado diretamente pelo MP, sem dependência de queixa ou participação criminal do visado.

Sabendo que muitas vezes as pessoas partilham conteúdos nas redes sociais como o WhatsApp, FB ou Twitter, entre muitas outras, sem sequer se questionarem da licitude o que fazem, é importante que estejam informados e que saibam que a partilha destes conteúdos, seja por que meio for, é crime e que é punido com pena de prisão.

E não só comete o crime quem faz a primeira partilha, como também todos aqueles que a seguir a voltam a partilhar.

A lei alterou ainda o DL 7/2004, de 7/1, que impõe deveres de bloqueio e de informação aos prestadores de serviços em rede, que ficam obrigados a comunicar ao MP a detecção de conteúdos que possam constituir crime, nomeadamente pornografia de menores, discriminação ou incitamento ao ódio e à violência ou, havendo comunicação do ofendido ou de terceiros, devassa da intimidade sexual ou corporal.

É precisamente isto que consta na lei.

Os prestadores de serviços ficam também obrigados a bloquear os sítios na net que contenham este tipo de conteúdos.

Pela relevância que esta lei assume na proibição da utilização da net para partilha de conteúdos sem a autorização das vítimas, deve ser amplamente divulgada até porque o dano que estes factos causam é irreparável, bem sabendo que “uma vez na net, para sempre na net”.

Com efeito, não obstante os deveres de bloqueio dos sítios que alojam estes conteúdos, basta, por ex., um conteúdo ficar guardado num qualquer telemóvel para, num ápice, poder volta a ser disseminado.

Caberá agora à justiça investigar estes crimes com celeridade e eficácia e aos tribunais aplicar o direito.

A internet tem que deixar de ser uma “terra de ninguém”, onde proliferam perfis falsos e se praticam crimes à descarada.

Mónica Quintela, in Diário As Beiras (06/06/2023)

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