O mês de Maio é sinónimo de pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Neste contexto, proponho o seguinte exercício: imagine três imóveis exactamente iguais com exceção da localização – um situado na Av. Sá da Bandeira, em Coimbra, outro na Av. dos Aliados, no Porto, e um terceiro na Av. Central em Braga. Sabia que o proprietário conimbricense irá pagar mais de IMI do que o portuense e quase o dobro do bracarense?
Tratando-se de um imposto municipal, poderá pensar-se que este facto está relacionado com a ação dos executivos municipais. Só que isso não é verdade. Esta situação resulta do método de cálculo previsto no Código do IMI (Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro) e, em particular, da definição do coeficiente que mais influencia esse cálculo, que é pouco transparente.
O valor a pagar de IMI é igual à taxa de IMI do município a multiplicar pelo valor patrimonial tributário do imóvel (ou seja, quanto o imóvel vale para as finanças).
A taxa de IMI é fixada anualmente por cada município. Legalmente, pode variar entre 0.30% e 0.45%. Em Coimbra, a taxa de IMI é de 0.30%, ou seja, o valor mais baixo permitido por lei. No Porto e em Braga, os valores são ligeiramente superiores (0.324% e 0.33%, respectivamente). Assim, no que depende da ação governativa local, os proprietários conimbricenses até são beneficiados.
O problema reside na determinação do valor patrimonial tributário (Vt), cuja expressão de cálculo, definida no artigo 38.º do Código do IMI, é: Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv.
Ou seja, o valor patrimonial tributário (Vt) é igual ao valor base (Vc, que é idêntico em todo o país, e corresponde a um valor médio do preço de construção por metro quadrado) multiplicado pela área do imóvel (A) e por quatro coeficientes – o de afectação (Ca), o de localização (Cl), o de qualidade e conforto (Cq), e o de vetustez (Cv).
No exemplo acima – de imóveis exactamente iguais, com o mesmo projeto, construídos pelo mesmo empreiteiro, na mesma data, em que apenas muda a localização – todos os valores que entram para o cálculo do Vt são iguais com exceção do coeficiente de localização (Cl). No caso da Av. Central, em Braga, o valor do Cl é de apenas 1,3, na Av. dos Aliados, no Porto, é 2,0 enquanto na Av. Sá da Bandeira, em Coimbra, é igual a 2,1.
Assim, se o valor calculado, até à aplicação do Cl for de 100 mil euros para os três imóveis, após a multiplicação por este coeficiente, o Vt em Braga será de 130 mil euros, no Porto será de 200 mil euros, e em Coimbra será de 210 mil euros. O valor a pagar de IMI é então igual à multiplicação destes valores de Vt pelas taxas municipais. Daqui resulta que o proprietário conimbricense – dono de uma loja, um café, ou uma habitação – pagará um IMI superior ao proprietário portuense e mais 61,5% que o proprietário bracarense.
A estranheza não se resume a este exercício. De facto, se compararmos os valores de Cl nas várias áreas urbanas das cidades de Braga e Coimbra, o valor máximo em Braga é 1,3 (precisamente na zona central), enquanto em Coimbra o valor mínimo é 1,35 (na “baixinha”) e o máximo é 2,45 (na Qta. de São Jerónimo). Ou seja, o valor mínimo em Coimbra é mais elevado que o máximo em Braga! E o máximo em Coimbra é quase o dobro do máximo em Braga. Paga, conimbricense.
A incredulidade também não se resume a uma mera comparação Braga-Coimbra. Nas zonas centrais de Aveiro, Leiria, e Figueira da Foz, os valores de Cl são sempre acima do valor máximo de 1,3 para Braga. Em Aveiro, na Av. Doutor Lourenço Peixinho, o Cl é de 1,8 ou 1,9. Na baixa de Leiria, na Praça Rodrigues Lobo, o Cl é 1,5, e na Figueira da Foz, os valores são 1,4 ou 1,6.
Os valores de Cl podem ser consultados através da plataforma https://zoneamentopf.portaldasfinancas.gov.pt/simulador/.
Uma análise atenta revela que a distribuição dos valores de Cl dentro de cada município é bastante razoável. No entanto, parece não existir uma grande coerência na comparação entre os diferentes municípios, como demonstrei com os exemplos acima.
Torna-se então fundamental compreender como são definidos os valores do coeficiente (Cl) para todo o país.
Para os prédios urbanos, a responsabilidade de definição dos Cl é da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU). Esta comissão é nomeada pelo Ministro das Finanças e composta por membros indicados por várias entidades, como a Direção-Geral dos Impostos, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, e associações do setor da construção e do imobiliário.
Pelo código do IMI (artigo 42.º), a determinação dos Cl deve tomar em consideração “as seguintes características: a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas; b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; c) Serviços de transportes públicos; d) Localização em zonas de elevador valor de mercado imobiliário”.
Por estes quatro factores, a disparidade de valores para o Cl que se verifica entre as zonas centrais de Porto e Braga e as de Coimbra, Aveiro, Leiria, e Figueira da Foz é pouco credível e demasiado “penalizadora” para as cidades da região Centro.
Na realidade, apesar de se saber como é composta a CNAPU e quais os factores que os seus membros devem ter em conta na definição dos Cl, o cálculo em si é uma verdadeira “caixa negra”. Não se conhece como é quantificado cada um destes quatro fatores, nem qual a importância de cada um para o valor final dos Cl.
Por último, importa salientar que os valores dos Cl são estabelecidos trienalmente e que foi em 2019 que foram definidos pela última vez. Assim, a nova revisão deverá ter lugar neste ano de 2022.
Esta revisão será determinante para o valor de IMI a pagar nos próximos três anos. Não será caso para todos os interessados – dos cidadãos às autarquias – ficarem atentos e exigirem maior transparência neste processo e coerência nos resultados?