A inevitabilidade do uso da Inteligência Artificial (IA) é ponto assente, mesmo na Gestão de Pessoas. O primado da endeusada racionalidade binária, a par da vontade de eliminação de esforços com ganhos de rentabilidade rasga o caminho.
Há já alguns anos, a Amazon deixou de usar a IA para o recrutamento e a selecção, uma vez que o algoritmo se revelou discriminatório para as mulheres, sendo os seus currículos classificados com notas mais baixas.
Os programadores, ao perceberem o problema, tentaram “ensinar” o sistema, mas sem os devidos efeitos.
Tendo usado como fonte de análise os sucessos de contratações anteriores, uma lógica considerada normal em RH, a máquina previa melhores resultados com homens.
Para além disso, a validade facial dos termos utilizados nos currículos era tomada como garantia. Ou seja, candidatos que tivessem nos CVs descrições com palavras como executar ou atingir eram beneficiados, mesmo que as suas formações ou qualificações técnicas ou até soft skills fossem piores.
Os Sistemas de Rastreamento de Candidatos, já conhecidos atualmente, levam a que os pretendentes adaptem o CV ao anúncio, com as mesmas palavras-chave, para que a correspondência seja mais provável: incluem mesmo frases como “seleccionar este candidato” ou “excelente candidato”, escritas várias vezes com a letra de cor branca, indetectáveis para o olho humano, mas não para a máquina.
A HireVue vendeu soluções de seleção de candidatos baseadas na análise de entrevistas de vídeo e no desempenho em jogos de avaliação (serious games). Contudo, não existia validação destas ferramentas e a análise escondia-se na caixa preta do processamento, que aprende por si próprio, tomando decisões não conhecidas.
Também a Uber foi criticada, além de condenada em tribunal, por ter usado algoritmos de decisão de despedimentos de trabalhadores baseados na produtividade. O robot-firing (demissão robotizada) é a cereja em cima de um bolo em que os ingredientes não são verdadeiramente conhecidos.
A utilização de softwares espiões em modelos de trabalho híbrido ou remoto, analisando a quantidade de teclas pressionadas e o tempo gasto em tarefas, maioritariamente voltados para métricas quantitativas, é perigosa, quando não somente ilegal. Com tudo isto, sabemos que ainda não está na altura de despedir os técnicos de RH.
António Damásio ensinou-nos que as decisões racionais se interligam com as emoções; não será possível ter lógica e razão aplicadas, se não se incluir também a emoção e o sentimento dentro da solução de um problema. É essencial que as empresas combinem a análise de dados com a sensibilidade humana para garantirem que a IA é uma ferramenta que realmente agrega valor sem comprometer a equidade e a dignidade dos trabalhadores.
Ainda não há máquinas que o façam, sozinhas, melhor do que nós. E são as emoções e sentimentos que nos permitem ficarmos furiosos com os erros de lógica e análise limitadamente racionais.
A IA pode e deve ser usada, nomeadamente em algumas áreas do chamado People Analytics. Elimina esforços inúteis e ajuda a processar quantidades de informação que seriam impossíveis ou difíceis de analisar em tempo útil para algumas tomadas de decisão. Por exemplo, na análise de comentários ou respostas abertas em questionários de satisfação, assinalando se estes são positivos ou negativos e categorizando-os, não obrigando a que alguém leia centenas ou milhares linhas de texto. Ou mesmo na seleção de candidatos numa lógica mais concreta, em que os fatores são devidamente escrutináveis e objectiváveis.
Todos os maus exemplos mostram que, embora a IA tenha um grande potencial para transformar a Gestão de Pessoas, a sua implementação tem de ser cuidadosamente verificada e ajustada para evitar enviesamentos e injustiças.
As decisões tomadas por algoritmos devem ser transparentes e explicáveis, com mecanismos robustos para detetar e corrigir quaisquer preconceitos. E se avançarmos na linha cronológica, será que a IA e os robots nos irão “roubar” empregos, como disse Elon Musk há dias?
Num futuro qualquer, à distância da imaginação ou do tempo, assim será.
Talvez nessa altura se perceba que a solução será termos um Rendimento Universal, que não seja apenas Básico ou Incondicional e que seja muito mais do que Mínimo.
O sistema de Segurança Social será sustentado por contribuições feitas pela depreciação dos meios de produção usados. As máquinas pagarão Taxa Social Única, a que se somarão os restantes impostos que suportam toda a sociedade. Mas tal não representará o fim da luta de classes como a conhecemos, ou como ainda não a conhecemos, fixada apenas na dinâmica económica. As lutas de classes também estão noutras contradições e conflitos sociais, como todas as formas de discriminação incluindo o género ou exploração dos mais frágeis.
A verdadeira Taxa Social que não podemos pagar é a da desumanização das decisões relativamente às pessoas. Aqui, o verdadeiro teste de Turing ainda está por superar.