A Inteligência e o Artificial na Gestão de Pessoas

A criação, desenvolvimento e programação a nível artístico, recreativo e cultural por entidades e agentes tem, ao longo dos tempos, sido mais concentrada nos grandes centros urbanos por comparação com as periferias e zonas rurais. Tendo em conta a maior presença de diversos públicos, a maior disponibilidade e acessibilidade de recursos e a maior probabilidade de encontrar talentos acaba por ser natural compreender esta tendência.

Contudo tendo em conta o aumento brutal no custo de vida nas grandes metrópoles tem-se verificado uma crescente deslocação populacional para zonas periféricas e rurais. As aldeias, vilas e pequenas cidades que se encontravam numa descida populacional acentuada com consequente degradação dos seus espaços e edifícios parecem ter agora uma nova oportunidade a partir destes movimentos migratórios (mantendo a atividade profissional nas grandes metrópoles ou não) e também imigratórios (com pessoas de nacionalidades cada vez mais variadas).

Os territórios da chamada “província” estão a atrair atenções do ponto de vista da qualidade de vida e, obviamente, também no custo de vida, curiosamente quer se trate de classe baixa, média ou alta, fenómeno que se foi acentuado neste período posterior à crise pandémica. Porém quem vem dos grandes centros urbanos para os meios mais pequenos começa geralmente, num primeiro momento, por lamentar a falta de variedade e profundidade na oferta cultural, recreativa e artística em vários domínios por comparação com o que existe nas metrópoles (embora por vezes vá admitindo que raramente disso tirou partido quando lá estava por falta de tempo, trânsito, preços, etc).

Em certa medida, este receio tem, de facto; sustentação pelas razões que abordamos no primeiro parágrafo, mas sente-se que algo tem vindo a mudar na última década… Os públicos dos meios rurais, bem como os agentes e entidades culturais destes contextos, parecem querer assistir, conhecer, participar, criar e desenvolver coisas diferentes a que muitas vezes só se tem acesso precisamente nas… grandes cidades. Não renegando o que já existe e que tem o estatuto de tradição, parece existir também uma abertura para compreender e explorar o que é ainda, por vezes, rotulado de alternativo, excêntrico, intelectual ou elitista. Na minha opinião, existem assim, no fundo, um potencial para usufruir simultaneamente da familiaridade da aldeia e da variedade da cidade, o melhor de dois mundos portanto.

Neste cenário, a regionalização ou descentralização surge como uma consequência quase inevitável em termos artísticos, recreativos e culturais. O estabelecimento de parcerias e programação em rede por entidades e agentes culturais, que atravessem concelhos, regiões ou sub-regiões rurais com população mais dispersa por territórios alargados, imerge como um desafio para responder às expectativas dos diferentes públicos, mas também para aproveitar, valorizar, desenvolver e promover recursos humanos, técnicos e logísticos dentro da mesma localidade, freguesia, concelho sub-região, região ou até mais distantes.

Para isto suceder de forma genuína, sólida e regular não basta vontade política e suporte económico, há que existir algo mais profundo, abrangente, focado e corajoso a nível social: o envolvimento com as comunidades por parte de entidades e agentes culturais.

Projetos culturais em rede com forte envolvimento com os recursos e expectativas da comunidade têm dados muitos bons resultados, conquistando, por vezes, inclusivamente um estatuto interventivo em áreas como urbanismo, ação social, educação, desporto, entre outras. Posso citar alguns exemplos, de que gosto particularmente como o “23 Milhas” em Ílhavo, o “Imaginarius” em Santa Maria da Feira, o “Bons Sons” em Cem Soldos, o “Folk Cantanhede”, a “Romaria Cultural” em Gouveia, entre muitos outros que será sempre injusto não nomear. Em todas estas “plantas com lindas flores” houve uma “semente” paciente que foi semeada por um movimento social com uma partilha comum e por isso mesmo deram… “frutos”.

A nível pessoal, os dois processos mais inspiradores que conheço por dentro e nos quais reconheço esse “brilho” são o Cineclub Bairrada, por toda essa região, e o Movimento Artístico Efervescente, no concelho de Cantanhede, que vou de seguida apresentar sucintamente.

O Cineclub Bairrada, que celebra o seu sexto ano de existência, tem como objetivo geral a divulgação do Cinema em toda a região, contribuindo para o desenvolvimento da cultura, dos estudos históricos, da técnica e da arte cinematográfica. Esta entidade aposta numa intervenção cultural estruturada e congrega associações culturais em cada um dos concelhos da região da Bairrada, focando-se na formação, programação e produção em rede, com especial interesse no registo do património imaterial (projeto Herança Docs Bairrada) e no apoio a artistas da região. É o primeiro e único cineclube regional, está a conquistar espaço e a ganhar escala…

Por outro lado, há uns anos atrás, gerou-se um movimento social, artístico e cultural no concelho de Cantanhede denominado Coletivo Efervescente, formado por pessoas ligadas a várias artes e ofícios nascidos e/ou residentes no concelho que queriam cruzar conhecimentos e criar produtos artísticos originais “aqui e com recursos de cá”. Os seus elementos quiseram contrariar a lógica de ter de ir “lá para fora” para se poder assistir e/ou criar espectáculos diferentes. A visão foi (e continua a ser) poder “gerar, exportar, mas também acolher” a arte criada na sua comunidade, ligando tradição e inovação de forma genuína, arrojada e diferenciadora e, assim, acrescentar referências distintivas à sua região no mapa.

Mais do que fazer, interessava a forma como se queria fazer, sem receio de arriscar para construir prestígio com personalidade própria. Num processo que teve o seu toque de ideologia utópica, mas também de concretização pragmática, revela-se, hoje em dia, importante esclarecer que projetos culturais como a “Lúcia-Lima Associação Cultural” em Cadima, a “Festa d’Anaia” na Pena, a “Catraia” na Praia da Tocha, entre outros têm, de uma forma ou de outra, essa origem comum que continua a dar frutos.

É esse o legado da Efervescente: as suas diversas expressões e ramificações, enfim, a sua influência inspiradora…

Vasco Espinhal Otero – Promotor Cultural/Cineclub Bairrada, in Diário As Beiras (23/07/2024)

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