Empreendedora é aquela pessoa que arrisca, quase sempre entusiasmada com uma ideia que vai inovar alguma atividade, escapa da caixa regulatória ou apresenta um serviço, ou nível de serviço, que não existia, ou não existia numa determinada área geográfica.
No Portugal recente tens, entre poucos mais no que concerne à iniciativa privada, os exemplos das primeiras pessoas que arriscaram os tuk-tuk em Lisboa e o AL na província (este último estimulado por programas públicos e mais tarde levado para os centros urbanos).
Quase sempre o empreendedor origina uma atividade que à medida que decorre o tempo passa a ser, naturalmente, balizada e enquadrada legalmente, atraindo mais agentes económicos aliciado pela perspetiva de ganhos maiores, que são o prémio para os primeiros a ocupar um espaço económico.
As pessoas que seguem o empreendedor gostam que o espelho lhes diga que são também empreendedoras, claro, e daí não viria mal ao mundo se essa auto-imagem se ficasse no quarto de vestir. Perante o mundo, perante a economia, quando se auto-proclamam empreendedoras duas coisas podem acontecer: são alvo da chacota generalizada ou são alvo de piedosas concordâncias nos círculos próximos de pares ou familiares.
Um imitador não é um empreendedor: é um imitador. São muito bem-vindos: se há um novo mercado que se abre, isso é bom, é positivo para a sociedade toda. Mas um imitador não é um empreendedor: quando entra o território já está demarcado, os melhores lugares do lucro já foram tomados, a regulação já foi accionada, precisamente para proteger as relações entre os diversos agentes económicos envolvidos.
Um imitador muitas vezes crê que vai ter as mesmas condições de exploração que fizeram a fortuna dos empreendedores. Chama-se a isto iliteracia económica e é infelizmente demasiado frequente no tecido empresarial português.
Muitas vezes associada a essa manifestação de ignorância é a visão idílica do funcionamento da lei da oferta e da procura. Ao contrário do que sugere a fervorosa liturgia propagada pelos fiéis da Igreja Do Capitalismo, o prémio, a recompensa, vai diminuindo à medida que um mercado aumenta de dimensão, em paralelo com o risco. A partir de certo ponto no tempo, quando um mercado passa a ter um número de ofertas que se equilibra com a procura, a perspetiva de lucro pode mesmo deixar de ser aliciante.
Geralmente por essa altura já os empreendedores e os primeiros ocupantes venderam as suas posições (algumas vezes sob a forma de licenças, quando a regulação começou a funcionar no devido tempo) aos imitadores.
O mercado entra então num novo patamar, o da normalidade. Atraídos pelo que pensavam ser um lucro fácil, os últimos imitadores descobrem-se desiludidos. Não apenas o lucro se tornou difícil como o mercado passou a ser muito mais exigente em termos da dinâmica da oferta, obrigando a uma aprendizagem sobre a diferenciação de produtos.
A partir daí só sobrevivem na zona do bom lucro os melhores profissionais, muitas vezes aproveitando as desilusões dos desistentes para fortalecer posição através da serialização (a concentração proporciona poupanças de escala).
Os imitadores das últimas vagas – quase exclusivamente pessoas crentes que foram tocadas pela liturgia da Igreja do Capitalismo – passam num ápice de ruidosos defensores da iniciativa privada a ruidosos reivindicativos da intervenção do Estado para os proteger e cuidar.
A privatização do prémio e a socialização do prejuízo é um fenómeno amplamente descrito na literatura económica. Em nenhum caso tal fenómeno envolve o empreendedorismo: o empreendedor arrisca tudo pela sua ideia, a glória ou a ruína.
Não te deixes iludir pela Maravilhosa Narrativa de um mundo editorial enfeitiçado pela Igreja do Capitalismo (e sobretudo não confundas essa Igreja, seus xâmanes e crentes, com o capitalismo ele próprio, são coisas distintas): há tão poucos empreendedores e tantos, mas tantos imitadores.
Paulo Querido, Ex-Jornalista, in Diário As Beiras (03/04/2023)
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