Há 15 anos que não havia tão poucas casas para comprar em Portugal: no final de 2022 existiam cerca de 47.200 fogos disponíveis para mudar de donos. Mas a procura está forte
Barreira 1: o licenciamento
Entre o momento de decidir construir um imóvel e o fim da obra podem passar anos. E a burocracia prejudica, tirando vontade aos promotores imobiliários de investir.
“Os processos de licenciamento são lentos e podem ser o calcanhar de Aquiles da promoção imobiliária”, diz Bento Aires, presidente da Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN).
E, por isso, deixa uma sugestão: “É preciso que as câmaras simplifiquem os processos ou comecem a desenvolver estudos prévios de licenciamento para incentivar os privados”.
Enquanto os projetos andam a deambular pelos gabinetes das autarquias, a viabilidade de um investimento pode ser fortemente comprometida. Basta ver o exemplo do último ano, onde a guerra e a inflação fizeram disparar os preços dos materiais de construção.
“O mercado trabalha em ciclos longos. Do momento em que se percebe que há falta de oferta à construção pode passar muito tempo. O maior obstáculo à atividade é a burocracia e o licenciamento”, reforça Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário.
E o Estado, mesmo em causa própria, tem culpas, remata o engenheiro civil Carlos Mineiro Aires: “Na habitação que o Estado promove, é tudo feito com contratação pública. Há uma teia burocrática e litigância. Só uma adjudicação pode demorar um ano se for contestada por um dos concorrentes”.
Barreira 2: a margem de lucro
Muitos dos projetos imobiliários que têm surgido nos últimos anos dirigem-se ao segmento superior ou de luxo. E há um motivo para isso: a margem de lucro é mais atrativa para os promotores imobiliários. “Se forem investidores privados, não investem no segmento médio porque a margem de lucro é pequena”, resume Carlos Mineiro Aires.
Mas, mesmo nos empreendimentos dirigidos à classe média, a procura está muito intensa. “Os que chegam ao mercado têm uma venda muito rápido. Há muitos sinais que confirmam a falta de oferta”, diz Ricardo Guimarães.
Outra pergunta: mas se há classe média à procura, com muita intensidade, porque não se constrói para esse segmento? A resposta está na barreira seguinte.
Barreira 3: o contexto de incerteza
Há vários fatores a alimentar a incerteza que se vive no setor imobiliário. A falta de mão-de-obra, aliada ao crescimento dos preços e escassez de materiais de construção, torna o custo de uma obra mais cara. “Tem havidos muitos ciclos de choques e de tensão que os investidores encaram e têm receios. A promoção imobiliária é uma atividade com risco”, insiste Ricardo Guimarães.
Mas há mais um fator que é determinante: com a subida dos juros, as regras mais apertadas da banca no financiamento e a perda de poder de compra torna-se cada vez mais difícil às famílias comprar casa. “Hoje não é certo que uma família de classe média consiga obter financiamento e comprar casa aos preços a que estão”, reforça Bento Aires.
Com este cenário de dúvida, há outro aspeto a considerar: quem tem uma casa e estava a pensar colocá-la à venda, pensa duas vezes, acabando também a encolher a oferta.
“É de esperar que os proprietários que esperavam vender o seu imóvel, nesta altura, se acanhem. Porque, em simultâneo, o rendimento e a valorização que os imoveis têm são das poucas formas seguras de combate ao efeito da inflação”, acrescenta Ricardo Guimarães.
Barreira 4: prédios pequenos
O princípio da economia de escala dita que quanto maior a produção, menor o preço médio. E, na construção de imóveis, ele também pode existir. Em Portugal, a maioria dos prédios têm poucos andares e poucos apartamentos por piso. E isso torna o investimento menos atrativo.
Ricardo Guimarães, da Confidencial Imobiliário, lembra que “em Portugal não temos uma cultura de construção em altura” e que a “densidade de construção contribui para a redução do custo de construção”. Ou seja, prédios maiores poderiam permitir habitação mais barata.
“A densificação tem de ser feita com muito cuidado, mas é certamente uma das formas de responder à necessidade de edifícios mais baratos”, conclui.