Abril, T.S. Eliot, nem sempre é o mais cruel dos meses. Por, de quando em quando, ter um vigésimo quinto dia de madrugadas claras e límpidas, de flores rubras na boca dos blindados, de poesia espalhada pelas ruas.
Não nascemos livres. Nem iguais. Somos o precipitado concreto de raízes biológicas antediluvianas. Somos o corpo que somos, com privativas singularidades e determinadas biogenéticas. Temos reduzida capacidade de escolha ética. O Bem e o Mal são puras inscrições bio-neuronais. E, fiéis seguidores de S. Darwin, sabemos que o “vale tudo” do Mal é o comportamento adaptativo ideal. O liso caminho do sucesso pessoal, económico, político e social.
Daí a nossa adoração, ainda que inconfessada e secreta, aos ídolos pagãos de sempre: conquistadores de impérios, capitães da indústria, senhores do grande capital, divindades desportivas e futilidades do entretenimento.
Daí o fracasso da utopia cristã e o eclipse do messianismo marxista, varridos pela frieza implacável de um capitalismo que, em sintonia fina com a marca darwinista da natureza humana, vinga triunfal em qualquer terreno ideológico e político – seja nas democracias liberais ocidentais, seja na totalitária China.
Nascemos, vivemos e morremos no nosso tempo e no nosso espaço. Neste século, neste lugar, nesta família, nesta comunidade. E assim nos transformamos no que não podemos deixar de ser. “Pode alguém ser quem não é?” pergunta há muito, e com plena razão, Sérgio Godinho.
Não sabemos, nem nunca poderemos saber, o Fim da História. A profecia marxista da idílica Jerusalém terrestre, lugar sem classes liberto de opressores e oprimidos, tem, tão só, um valor de crença. O mesmo se diga da profecia liberal-individualista: aí temos, perante os nossos olhos, democracias a morrer, ditaduras a ressuscitar, protecionismos económicos a regressar.
Vivemos nos caos e no acaso. Somos caos e acaso.
Caso e acaso que, de quando em quando, fazem com que abril seja o mais suave e doce dos meses.