O elevador social emperrou de vez – a armadilha fiscal

Todos nós entendemos a necessidade da progressividade fiscal para repor alguma justiça social, para corrigir algumas desigualdades e para garantir que não haja grupos a viver em exclusão social.

Esta ideia enquadra-se na cultura europeia e dá forma àquilo que conhecemos como estado social e ao desenho de uma resposta colectiva às necessidades individuais. Alguns países, com destaque para os do norte da Europa, têm tido muito sucesso na criação de riqueza e no desenvolvimento social, baseados nesta ideia da redistribuição de sacrifícios e rendimentos, que produziram sociedades mais justas e menos desiguais.

Curiosamente, em Portugal, a progressividade fiscal atingiu patamares únicos e não conseguiu colmatar uma profunda desigualdade na sociedade portuguesa nem atingir nenhum daqueles desígnios. Na verdade, permanecemos um país pobre e muito desigual. Aparentemente, a progressividade fiscal está a produzir uma enorme fadiga fiscal (vejam-se os impactos da curva de Laffer), a impedir o progresso social e a não resolver os problemas para que foi desenhada. Na verdade, em Portugal há muito pouca gente razoavelmente ou bem remunerada. Apenas 6,1% declaram rendimentos acima de 50 000 euros, mas pagam mais de 50% do IRS cobrado.

Ao contrário do que frequentemente se costuma dizer, em Portugal há poucos ricos e há muito pouca gente com rendimentos que a coloque numa verdadeira classe média. Ao mesmo tempo, a progressividade fiscal é esmagadora e começa, muito cedo, a ser proibitiva. Aproveito, por isso, para partilhar o exemplo do filho de um amigo meu que, contrariando o “desgraçado” desígnio da juventude deste país, está a conseguir uma situação laboral francamente boa, mas que sente já o travão fiscal, desde o início da sua carreira profissional, e percebem como a tirania fiscal vai destruir todos os seus sonhos. Este jovem partilhou connosco o seu último recibo de salário, que correspondia ao primeiro mês em que recebeu comissões pelo seu trabalho. No primeiro mês, a comissão significou um valor próximo dos 1300 euros, mas o seu acréscimo líquido de rendimento foi de apenas, sensivelmente 600 euros. Ao mesmo tempo, o jovem que estava a adquirir o seu primeiro apartamento, estava a verificar que, de acordo com as estimativas, iria pagar 25000 euros de escritura, IMT e imposto de selo, se concretizasse esta compra. Trouxe este exemplo real para mostrar, sem sombra de dúvidas, porque o elevador social está emperrado, e quiçá, porque tanta gente odeia a palavra “meritocracia”.

Na verdade, os jovens de hoje estão presos na armadilha do “mileurismo”, e só muito poucos vão conseguir sair dela, sem ser por recurso à emigração. E não chega apelar à boa vontade das empresas, para corrigirem a situação com aumentos salariais. Na verdade, eles são muito desejáveis, mas os resultados que podem produzir são muito limitados: mais que salários baixos… nós temos impostos muito altos. Eu acredito, eu sei, que as empresas querem ter trabalhadores bem pagos, trabalhadores felizes e bem nas suas vidas, mas acima de 1500 euros, o esforço que uma empresa tem que fazer para aumentar de forma visível e sentida os salários dos seus trabalhadores, é esmagador. Os portugueses recebem dos salários mais baixos da Europa, mas têm a 7ª carga fiscal sobre o trabalho, mas alta, superando os 41%.

Esta carga fiscal está a impedir o progresso social dos jovens e dos portugueses em geral. Está a impedir que possamos progredir, mudar de vida, ascender socialmente. Está a impedir que possamos comprar o apartamento que desejamos, sequer alugar, ou mesmo que possamos ir tranquilamente ao restaurante sem olhar, previamente, para o nosso saldo.

Esta carga fiscal está a impedir que se forme uma elite, que possamos atrair e reter os melhores. Pelo contrário, os melhores estão a emigrar e os talentos não se sentem atraídos por Portugal. Naturalmente, as empresas enfrentam dificuldades acrescidas para atrair e manter os melhores, porque os custos totais de manter um salário acima da média, são excessivos e proibitivos.

Penso que estamos, antes de mais, a necessitar de uma desintoxicação fiscal. A sociedade, as empresas precisam respirar. A própria governação tem que se desabituar de resolver todos os problemas orçamentais com mais impostos. Não creio que esta progressividade fiscal esmagadora permita que o elevador social se reative e que possamos sair desta armadilha “mileurista”.

PS: A invasão da Ucrânia está a ser tão devastadora que me sinto incapaz de escrever sobre ela. Ao mesmo tempo, não posso deixar de expressar a minha solidariedade e preocupação com o povo soberano e livre da Ucrânia, esmagado sob a tirania imperialista da Rússia.

Arnaldo Coelho – Faculdade de Economia de Coimbra, in Diário As Beiras (07-03-2022)

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