O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor celebra-se a 15 de Março, em evocação do marco irremovível do “Consumidores Somos Todos Nós”, na vibrante voz de John Kennedy e férreo punho de Esther Petterson, que lhe oferecera os tópicos para tão inadiável pronunciamento.
Da Nova Agenda Europeia do Consumidor, que consubstancia o Plano de Acção da Política Europeia de Consumidores para o Quinquénio 2021/2025, peculiares cuidados se conferem e vislumbram no que toca aos serviços financeiros que se pretendem sustentáveis.
Em um tal propósito se irmanam a Consumers International (200 instituições em 100 países) e a AIDC / IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo, que em Coimbra constituímos nos idos de 80 do século passado e ora se haja sediada em Buenos Aires.
Serviços financeiros sustentáveis: em formulação corrente, que se previna o excessivo endividamento, que cesse a concessão do crédito selvagem, que se leve os consumidores a não dar o passo maior que as pernas, e que o acesso ao crédito seja justo, leal e transparente e não cause embaraços nem padeça de denegações a quem a tal se pretender habilitar.
Ao seguir-se pari passu a Agenda outras realidades se nos revelam neste domínio.
Como pano de fundo, a profunda transformação operada na transição digital: novas tendências e soluções e a diversificação da oferta de produtos e serviços financeiros.
O surgimento de novos actores, a saber, empresas de tecnologia financeira, que de todo escapam ao figurino tradicional, como a proliferação de empréstimo entre particulares (e a juros exponenciais), mormente pelo recurso a canais em linha, em que a usura anda de mãos dadas com as necessidades experimentadas, impõem novas medidas para sofrear os ímpetos e aplacar a lesão de interesses que se abate implacavelmente sobre consumidores carenciados (economicamente hipossuficientes) e, a um tempo, hipervulneráveis.
Novos produtos, como os mútuos de curto prazo/custo elevado (com interesses superiores a 4.000/4.500%/ano), concluídos por curto período, susceptíveis, porém, de implicar significativos encargos para o mutuário (consumidor), com inusitada frequência oferecidos por via digital e por tal modo comercializados, perfilam-se de entre as modalidades que ora despontam com enorme sucesso e peculiares cautelas impõem.
As tecnologias de informação e comunicação, como as soluções de pagamento imediato, carregarão inegavelmente benefícios tangíveis para os consumidores, mas exigirão decerto específicas medidas para tutelar a correspondente posição jurídica.
A Comissão Europeia fez-se recentemente eco de uma mancheia de iniciativas que reforçarão decerto a tutela da posição jurídica dos consumidores no que tange ao sensível domínio dos pagamentos.
Tais aspectos apreciar-se-ão no quadro da Estratégia para Pagamentos de Pequeno Montante na União Europeia, recentemente delineada e desencadeada.
O emprego de categorias alternativas de dados em conexão com decisões automatizadas para classificação do crédito suscita especiosas questões no tocante aos dados a envolver na avaliação da solvabilidade económica dos consumidores. E confere realce aos riscos de discriminação decorrentes de decisões baseadas em algoritmos opacos. Um tal tipo de riscos é susceptível, porém, de uma abordagem através do acto jurídico dos requisitos para inteligência artificial em que a Comissão Europeia se vem afanosamente envolvendo.
Para além do mais, a legislação em vigor, a saber, a Directiva Crédito ao Consumo, a Directiva Crédito Hipotecário, a Directiva Contas de Pagamento e a Directiva Comercialização à Distância de Serviços Financeiros, deve ser revista, a fum de reflectir o emprego crescente de meios digitais e de molde a oferecer oportuna resposta aos desafios que suscitam.
Tal acervo deve permitir aos consumidores compreendam os produtos e os comparem por forma a aceitar, se for o caso, as ofertas em linha, estimulando-se destarte a inovação e a confiança que mister será repouse em cada um e todos.
O novo Pacote de Financiamento Digital da Comissão Europeia, que envolve as estratégias de financiamento digital e de pagamentos de reduzido montante e as propostas legislativas de cripto-activos e de resiliência operacional digital do sector financeiro, tem por escopo assegurar que consumidores e empresas colham sobejamente os benefícios da inovação, preservando-se de modo inteiro a sua protecção.
Os actuais progressos no que à transformação digital toca, de análogo modo reflectidos na Estratégia para “Investimento de Retalho”, a centrar-se nos interesses dos investidores individuais, que não profissionais, prevê-se se concretizem no primeiro semestre do ano em curso (2022).
A transformação (quiçá, a transição) digital exige que os consumidores se municiem de uma forte literacia digital e concomitantes competências veiculadas através da educação e da formação digitais, cujo Plano – o de Acção para a Educação Digital (2021-2027) – se acha já delineado, e crê-se, em execução.
Eis, pois, a conditio sine qua non se registará sucesso em tão laboriosa empreitada!
Mário Frota – Presidente da apDC – Direito do Consumo, in Diário As Beiras (14-03-2022)