Investimento imobiliário e arrendamento urbano: é do saber que vem o ter

Antes da aquisição de um imóvel arrendado, mesmo em sede de insolvência ou venda judicial, haverá que realizar a due diligence aos contratos vigentes.

Não é novidade que o mercado do arrendamento em Portugal é bastante regulamentado e tendencialmente protecionista da posição do arrendatário, principalmente do arrendatário habitacional. Estando em causa um direito constitucionalmente consagrado (o direito à habitação), com vestes de primeira necessidade na vida de todos, este tema merece sempre um intenso foco político e mediático.

Não são assim de estranhar sucessivas alterações legislativas nesta matéria, umas de maior impacto, outras menos significativas, mas tipicamente de pendor protecionista.

Ainda recentemente, um novo exemplo de protecionismo da posição do arrendatário veio ao conhecimento de todos. Referimo-nos à recente medida legislativa que determinou que, em 2023, a atualização das rendas não poderá ultrapassar o coeficiente de 1,02, sem prejuízo de estipulação diferente entre as partes.

Foi recentemente anunciada, igualmente, uma potencial alteração nas regras aplicáveis à transição para o “Novo Regime do Arrendamento Urbano” (o “NRAU”) e atualização de rendas dos contratos de arrendamento anteriores a 1990 (que ainda não tenham transitado para o NRAU). Estas regras serão, segundo o governo, avaliadas no próximo ano.

A formulação deste compromisso do governo parece ter trazido alguma confiança aos investidores em imóveis com contratos de arrendamento antigos, já que – pelo menos nas intenções anunciadas – não alude a uma nova suspensão do Procedimento quanto a algumas categorias de inquilinos às quais tem sido conferido um elevado grau de proteção.

Recorda-se que este Procedimento tinha sido suspenso quanto a essas categorias de inquilinos pela lei do orçamento de estado de 2022, até publicação do relatório do Observatório da Habitação e da Reabilitação Urbana.

Outro exemplo de protecionismo dos contratos de arrendamento decorre do acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no verão de 2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça e que decidiu que a venda em processo de insolvência de imóvel hipotecado, não faz caducar o contrato de arrendamento posterior à constituição da hipoteca.

Esta orientação inovadora em relação ao que vinha a ser decidido maioritariamente nesta matéria rapidamente foi replicada para as situações de venda judicial de imóvel em ação executiva.

Contudo, este entendimento não é, de todo, pacífico. Com efeito, algumas críticas têm vindo a ser apontadas a esta solução, designadamente por a mesma conduzir ao resultado em que, com a venda judicial de um imóvel, o contrato de arrendamento vigente prevalece, enquanto, que os direitos reais, como por exemplo o usufruto ou o direito real de uso e habitação, que sejam posteriores à hipoteca, mesmo que correspondam a casa de morada de família, caducam.

Na fundamentação da sua decisão, o Supremo Tribunal de Justiça afirma que o arrendamento é um “instrumento jurídico altamente rentável para os proprietáriosnão se podendo continuar a defender que o arrendamento implique uma desvalorização do bem, onerando-o economicamente, nem tão pouco que frustre e/ou diminua a posição do credor reclamante.”

Não negamos que existem dados e registos que mostram que o mercado do arrendamento pode, de facto, ser bastante rentável, mas como todos sabemos não é necessariamente assim.

Efetivamente, a afirmação do Supremo Tribunal de Justiça não deixa de ser arriscada, já que são várias as situações em que, quer por se tratarem de rendas antigas, contratos de duração muito elevada ou outras circunstâncias atinentes às partes, os contratos de arrendamento implicam uma desvalorização económica do imóvel.

Na verdade, só assim se compreende o desejo de recurso a uma ação judicial, com todos os custos associados, para apreciação desta questão, por parte do investidor adquirente do imóvel arrendado.

Certo é que, na avaliação do potencial de rentabilização dos ativos imobiliários, este será um ponto que os investidores devem, sempre, tomar em consideração.

Assim, antes da aquisição de um imóvel arrendado, mesmo em sede de insolvência ou venda judicial, haverá que realizar a due diligence aos contratos vigentes. Afinal é do saber que vem o ter e consultar quem sabe, já é saber metade.

Catarina Azevedo Marques; Advogada associada da Costa Pinto Advogados, in ECO (02/11/2022)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *